A espiritualidade, que sempre esteve mais restrita às religiões, está hoje penetrando campos inesperados. Quando poderíamos imaginar que empresários e executivos buscassem ajuda em atividades tão diferenciadas, dentre as quais estivesse a espiritualidade? Quando poderíamos imaginar que um dia pudessem ser realizados congressos com a presença deste tema? Ficamos admirados com sua emergência e imaginamos que isto tenha acontecido de repente. Sem que pudéssemos esperar, a espiritualidade nos surpreende ao surgir como uma espécie de tábua salvadora para nossas angústias atuais. É o que parece, mas a espiritualidade vem sendo semeada há muito, inclusive por homens de ciência. Segundo o físico Fritjof Capra, um dos artigos de Einstein criou a mecânica quântica e com ela emergiram paradoxos que abalaram os físicos da época. Descortinou-se um mundo novo, provocando reflexões como esta do físico Werner Heisenberg: "será este mundo tão absurdo como nos está provando nossas pesquisas?". Esta expressão deveu-se a mudanças como esta expressada pelo físico Niels Bohr: "as partículas materiais isoladas são abstrações, e suas propriedades são definíveis e observáveis somente através de sua interação com outros sistemas".
Semelhantemente aos físicos, talvez a globalização nos esteja ajudando a descobrir um mundo novo dentro das organizações. A tensão atual tem feito com que empresários e seus gerenciadores permaneçam abertos a qualquer possibilidade de ajuda. A angústia tem sido muito intensa. Não se pode perder oportunidades e a espiritualidade parece mostrar-se como um caminho adequado. Contudo, não há possibilidade das organizações colherem os expressivos frutos resultantes da espiritualidade, se empresários e seus gerenciadores não estiverem verdadeiramente envolvidos com seus propósitos. "Se qualquer organização quiser sobreviver, terá que promover radicais transformações em si mesma. Estas não se referem a estrutura, mas sim aos valores, essencialmente, aos valores do coração e da alma", diz Judi Neal, professora de gerenciamento da Universidade de New Haven.
Portanto, compreender a espiritualidade significa questionar paradigmas usuais, ver uma realidade diferente daquela de costume, encontrar formas menos sofridas de convivência, entender nossa interdependência e necessidade de ajuda mútua. Essas questões ficam veladas pela aparência das coisas, mas nas organizações tornam-se mais visíveis na medida em que nos perguntamos: "quais são as marcas da evolução das organizações inclusive empresariais? Não nos é exigido grande esforço para perceber que uma dessas marcas é a fragmentação: foco técnico de um lado e foco humano do outro, departamentos organizadamente separados, cada indivíduo na sua posição hierárquica, realizando a específica função para a qual se especializou. Isto significa que traçamos limites divisórios, mas "o resultado de tal violência, apesar de ser conhecido por muitos outros nomes, é simplesmente infelicidade", diz o bioquímico Ken Wilber. Traçar limites significa dar origem a antagonismos, inventar batalhas, fomentar competições, criar inimigos. As divisões podem até ser úteis como referenciais, mas quando as transformamos em verdades, temos como conseqüência o fomento das atitudes defensivas, as quais tendem a imobilizar uma empresa. A energia humana que poderia ser integralmente utilizada na produtividade, é desviada para a defensividade, porque, competição significa ameaça e quem se sente ameaçado se defende.
Não há separações como nos demonstram o físico Albert Einstein: "um ser humano (...) concebe a si mesmo, (...) como algo separado de todo resto, uma ilusão de ótica de sua consciência...", o filósofo e matemático Alfred North Whitehead: a "comunidade das realidades do mundo significa que cada acontecimento é fator na natureza de todos os outros..." e os mestres taoístas Sen Tsan: "... a Verdadeira Mente não é dividida, quando nos pedem uma identificação direta, só podemos dizer: Não-Dois", Lao Tsé: "Com o barro o oleiro faz o vaso, mas este só ganha significado pelo seu vazio interior. Assim são as coisas físicas, parecem o principal, mas o valor está na metafísica". Podemos perceber claramente uma convergência entre físicos e místicos, definindo uma identificação entre espiritualidade e unidade universal.
Como partes inseparáveis do universo, não somos apenas responsáveis por nós, mas por tudo o que nos cerca e por tudo o que fazemos. Por mais paradoxal que pareça, temos que aprender a cuidar de nós mesmos na medida em que cuidamos dos outros. Pode-se pensar: "como posso não estar separado, se não sinto a dor que o outro sente?" Isto é tão somente uma verdade aparente, pois ampliando nosso nível de consciência, sentiremos a dor como o outro a sente, da mesma forma que a mãe sente em relação ao filho. Um exemplo marcante está na relação entre Mao Tsé Tung e Dalai Lama. Mao invadiu o Tibete, destruiu a quase totalidade de seus templos e exterminou inúmeros tibetanos. Quando de sua morte, perguntaram ao Dalai Lama: "e agora que Mao morreu o que o Sr. tem a dizer?" O Dalai Lama respondeu: "é mais uma alma para a qual eu tenho que rezar". Para os Lamas tibetanos, o chinês não é um povo cruel, mas tão somente ignorante, ou seja, não sabem o que ainda estão fazendo. Contudo, os chineses obrigaram os tibetanos a espalhar a mensagem que visa transformar o planeta num paraíso semelhante àquele em que viviam.
Fragmentar significa perder. Por exemplo, ao separar o foco técnico do foco humano, valoriza-se um em detrimento do outro, pois somente assim pode-se escolhe. Toma-se o escolhido e joga-se fora o outro, despreza-se o que há de interessante no foco descartado. Por considerarem ingênuas as abordagens que baseiam-se no foco humano, mesmo porque, lidar com o humano exige um preparo que empresários e gerenciadores negam-se a alcançar, optam pelo foco técnico e perde-se o potencial contido dentro do humano. Wilber nos diz: "a consciência da unidade é o verdadeiro território sem limites". Cristo nos deixou: "a fim de que todos sejam um; como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós" (João 17:21). É preciso repensar as idéias fragmentadoras da realidade ou Cristo e Wilber está completamente errados. São fatos que indicam que espiritualidade significa caminhar em direção à integração, à união, à unidade universal. Qual a possibilidade de começarmos a refletir sobre a ajuda que a espiritualidade pode fornecer às organizações, inclusive empresariais? Precisamos entender que a espiritualidade configura-se como um caminho que nos ajuda a desenvolver a consciência de estar neste mundo de um modo responsável. Ser responsável por si mesmo significa ser responsável também pelos outros. Para tornar possível o alcance da consciência deste fato, é preciso libertar a própria essência. Está na essência de cada um o maior potencial de contribuição à disposição da sociedade, um bem deveras precioso para ser jogado fora como temos feito desde a revolução industrial. A espiritualidade pode ajudar-nos a assumir nossas responsabilidades perante a vida em todos os sentidos, dos quais a responsabilidade profissional é apenas uma.
FONTE: Gilberto Velloso
RHPortal.com.br
Hasta la vista, Baby
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