quinta-feira, 18 de março de 2010

RH como agente de mudanças

Marcos Cominato, diretor de RH da Nokia
(Entrevista concedida a Joaquim Maria Botelho)

Há apenas três semanas no comando da área de Recursos Humanos da Nokia do Brasil, Marcos Cominato tem um propósito profissional muito claro. Quer fazer da área de RH um agente de mudanças, ou mais ainda, um educador. Aos 42 anos, graduado em Administração e Economia, tem experiência tanto em empresas de manufatura (Asea Brown Bovery) como de serviços (Intelig).

Recém-contratado para conduzir a área de RH da Nokia, que é uma empresa industrial mas eminentemente voltada para serviços ao cliente, Marcos mostra calma, ponderação e muito preparo técnico ao declarar que preparar culturalmente uma organização para a prestação de serviços requer compreender que todas as pessoas, em todos os níveis, precisam ter habilidades e estarem vinculadas a uma cultura específica para a prestação de serviços. “Habilidades para o relacionamento e para o atendimento a pessoas são fundamentais”, diz ele. “E, antes de tudo, os profissionais precisam saber se colocar na posição do cliente”. Segundo ele, a empresa inteira deve estar focada para ele, com uma estrutura de processos que a movimente completamente na direção do cliente.

À frente de uma equipe de 16 pessoas distribuídas em Manaus, São Paulo e Rio de Janeiro, Marcos costuma dizer que trabalhar com serviços é como enfrentar a cada segundo a sua hora da verdade. “É aquele momento em que o cliente entra em contato com algum canal que esteja aberto para ele. Com base nesse contato o cliente forma uma opinião, que pode ser positiva ou negativa. E a partir dali desenvolve uma imagem da empresa. Por isso os funcionários têm que estar sempre capacitados para esse atendimento. Até porque uma boa parte dos funcionários atua num processo interno, de retaguarda, e têm que estar com o pensamento em qualidade. O desafio do RH é preparar esses dois grupos de funcionários para a realidade que a empresa está vivendo no mercado.

Marcos pensa que a Nokia não é uma fabricante de equipamentos, simplesmente, mas uma empresa que conecta pessoas, e é daí que vem o seu ponto de vista para orientar a atuação da área de Recursos Humanos. Leia a entrevista concedida por Cominato a Joaquim Maria Botelho, gerente de comunicação do Grupo Catho.

Estilo & Gestão RH Catho: Onde começa especificamente o trabalho de RH?

Marcos Cominato: Em qualquer organização, precisa estar claro, primeiramente, qual é a sua missão, qual é a sua razão de existir. Definida a missão, o RH passa a ser o grande agente de transformar a missão numa realidade prática. É o grande diferencial do RH moderno: ter a competência de traduzir o papel e a missão da empresa na prática do dia-a-dia.

Estilo & Gestão RH Catho: Tecnicamente, como se faz isto?

Cominato: Gerando competências para que as pessoas entendam o que se quer através de cada palavra. Fazendo com que a estratégia saia do papel e seja entendida e assimilada pelas pessoas que estão trabalhando. E fazendo com que as pessoas percebam na estratégia da empresa um significado pessoal. Todas as ações da empresa têm que fazer sentido para cada
pessoa que trabalha ali. Não tem lógica uma pessoa desenvolver um trabalho que ela não entenda e que não faça sentido para ela.

Estilo & Gestão RH Catho: Como se obtém esse envolvimento positivo?

Cominato: É preciso fazer com que os valores das pessoas estejam alinhados com os valores da empresa. Pode ser que haja funcionários que apresentem excelentes resultados, mas se não tiverem alinhamento de valores, pode ser que para aquela empresa eles não sirvam. Sob pena de surgirem conflitos e desgastes, tanto para a pessoa quanto para a organização. As
pessoas precisam estar felizes. Se não estiverem, talvez seja o momento de buscar uma outra empresa cujos valores sejam mais coerentes com os seus próprios. Não há sentido em fazer parte de uma organização, vivendo valores diferentes. Um dos trabalhos do RH é identificar se existem pessoas nessas condições.

Estilo & Gestão RH Catho: Que ferramentas são necessárias para isto?

Cominato: Em primeiro lugar, o profissional de RH tem que ter, juntamente com o CEO da organização, uma discussão que tenha a ver com missão e estratégia, mas que também permita identificar qual a cultura da organização. Qualquer coisa que você faça em seguida tem que sustentar a sua cultura organizacional.

Estilo & Gestão RH Catho: A partir de elementos mensuráveis, evidentemente, você pode alterar o curso do trabalho, certo?

Cominato: Claro. A missão pode ser mudada, a estratégia também, porque o próprio mercado pode exigir que você redirecione a sua estratégia, principalmente num mercado. Mas os valores você não muda. Por isso compete aos profissionais de recursos humanos, a partir da missão e da estratégia, identificar qual é a cultura da empresa. E, se for o caso, adaptar a cultura da empresa a um novo momento de mercado. Claro que isto não se faz imediatamente, porque cultura é um processo de longo prazo.

Estilo & Gestão RH Catho: Com base em que é possível mudar a cultura?

Cominato: Qualquer organização é embasada em dois vetores, um de sociabilidade e um de solidariedade, e a combinação desses dois vetores é que determina o modelo de organização em termos de cultura. Diagramaticamente podemos montar matrizes a partir dessa combinação. Algumas empresas precisam de alta sociabilidade porque os seus processos são interdependentes e as pessoas necessitam estar cem por cento trabalhando em times de projetos. Nesse caso a cultura precisa ser desenvolvida em cima de relacionamentos, com alta sociabilidade. Algumas outras empresas, além de alta sociabilidade, precisam ter alta solidariedade, que é basicamente o significado dos comuns – identidade única, objetivo único, uma estratégia geral. E isto não pode estar só numa determinada área ou num determinado nível, mas compreender a organização como um todo. No nosso caso, na Nokia, temos que ter alta sociabilidade e também alta solidariedade, um alinhamento com os objetivos da organização. É o que chamamos de organização comunal.

Estilo & Gestão RH Catho: Mas não seria ideal que todas as empresas tivessem esses dois vetores em alta?

Cominato: Algumas organizações, de acordo com a sua estratégia, podem ter um alto nível de sociabilidade e baixo nível de solidariedade, dependendo do modelo de sua estrutura. Outras podem precisar de alto nível de solidariedade, mas um baixo nível de relacionamento interno – é o caso de empresas automatizadas, com a logística funcionando etc. Algumas empresas podem até sobreviver muito bem com baixa solidariedade e baixa sociabilidade. Identificar isto é fundamental, porque permite ao profissional de Recursos Humanos executar ações que não se distanciem do desenho daquela cultura organizacional. As ferramentas, para mim, são conseqüências dessa primeira discussão, e o RH tem que ser esse agente de mudanças, propiciar o ambiente para que o primeiro time da organização perceba que as ações que se façam tenham um valor agregado. A área de Recursos Humanos tem que agregar valor.

Estilo & Gestão RH Catho: E o que é exatamente agregar valor?

Cominato: É estimular uma discussão para que as pessoas percebam que a organização, uma vez com a estratégia definida, terá uma cultura que é a grande fortaleza disso. Aí sim você consegue justificar ações ou ferramentas para gerar mais solidariedade e mais sociabilidade, que é o desenho da cultura da Nokia.

"O RH da Nokia atua para fazer com que cada funcionário se sinta um campeão, o melhor".

Estilo & Gestão RH Catho: A Nokia é uma empresa com uma cultura cristalizada ou você terá ainda que implementar muitas ações para alinhar funcionários e cultura?

Cominato: Nós estamos justamente criando o processo da estratégia de RH para sustentar essa cultura. E vamos atuar sempre em quatro pontos: apoiar a estratégia do negócio (gerando capacidades que apóiem o negócio), funcionar como agente de mudanças (gerando o entendimento do mercado e orientando o funcionário para atuar em favor do cliente), promover a satisfação do funcionário (fazê-lo sentir-se parte de um processo que tem significado para ele, capacitar a liderança para  motivar o grupo de pessoas que trabalha para a empresa, motivação que se consegue com ambiente de trabalho, sistemas de benefícios, modelos de relacionamento, sentimento de cidadania, compromisso com o meio-ambiente etc.), e buscar a excelência operacional (alcançar a eficiência e a eficácia nos processos de Recursos Humanos, como folha de pagamento, remuneração, automatização de benefícios, pesquisas de clima, sistemas de participação em resultados, acordo coletivo etc.)

Atuar em Recursos Humanos é criar ações nesses quatro quadrantes.

Estilo & Gestão RH Catho: No mercado globalizado, qual é a tendência de atuação dos Recursos Humanos nas principais empresas hoje?

Cominato: No nível global, os Recursos Humanos atuam muito mais ainda no quadrante de excelência operacional. Nesse ponto específico, nosso desafio é atingir uma tal qualidade, uma tal perfeição, que a área de negócios nem sequer perceba que existe uma área de RH. Se alguém recebe o holerith com atraso, é falha do RH; se alguém demorou para receber a carteira profissional de volta, é falha do RH. Temos ainda que fazer um esforço para eliminar essas ocorrências. Mas é claro que não é só isso que se espera de recursos humanos.

Estilo & Gestão RH Catho: E no Brasil?

Cominato: No Brasil, ainda o RH atua muito com processos muito antiquados e com profissionais de mentalidade antiga, que não percebem muito bem a questão da globalização, até porque a maioria das empresas está muito focada em um nicho específico de mercado. Isto dificulta trazer as melhores práticas de mercado para chegar a uma estrutura operacional de nível de excelência. O que se precisa fazer é que os setores de Recursos Humanos melhorem a sua própria competência, com ferramentas mais adequadas e atualizando os próprios profissionais de Recursos Humanos. A começar pelo idioma: são poucos os profissionais de RH que dominam o inglês, e as melhores práticas de RH exigem fluência em inglês. Há uma barreira cultural a ser superada. Mas devo dizer que também no aspecto de motivação de pessoal a área de RH no Brasil está fazendo um excelente trabalho, equivalente ao que se pratica nos países mais avançados.
Os dois quadrantes de atuação em que o RH no Brasil precisa melhorar é como realizar a parceria estratégica e como se tornar um agente de mudanças.

Estilo & Gestão RH Catho: O que as áreas técnica e de negócios esperam da área de Recursos Humanos?

Cominato: Em qualquer empresa, o que se espera do RH não é a infra-estrutura – isto já é obrigação. O que se espera é que o RH tenha competência para participar do negócio, entendendo o mercado, entendendo a capacidade da organização e sugerindo o preenchimento de necessidades de ação para que a empresa atinja a sua estratégia. O RH precisa perceber que há mudanças acontecendo, e como deve ser preparada a organização para enfrentar as mudanças.
 
Fonte:Estilo & Gestão RH Catho
Marcos Cominato, diretor de RH da Nokia
(Entrevista concedida a Joaquim Maria Botelho)

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